amor radical ao clube e odio ao seu semelhante
A Paixão por um time que extrapola os limites da razão
Entenda por que algumas pessoas não medem esforços para torcer e admirar ídolos de forma tão radical
Por Sara Oliveira da Folha Universal
Para os mais fanáticos, o jogo não acaba
com o término da partida, mas em um confronto final entre os vitoriosos
e os derrotados. A rivalidade se transforma em justificativa equivocada
para atitudes radicais. As brigas e agressões são o reflexo do torcedor
que admira o próprio time de forma emocional e pouco inteligente, uma
vez que extrapola os limites da racionalidade.
O fanático contempla o seu objeto de
admiração de uma forma possessiva e até egoísta. Por meio desse objeto,
seja um time, um ídolo ou uma ideologia, tenta preencher o vazio que
sente diante da vida. Sem perceber, se distancia das outras pessoas que
não partilham de interesses iguais e pode agir com agressividade em
relação a outros indivíduos que tenham pensamentos contrários. Vanderlan
Costa, de 33 anos, conheceu bem essa realidade. Durante oito anos ele
fez parte da maior torcida organizada do Corinthians, a Gaviões da Fiel.
“Foram anos de doação total. Viajando e
fazendo o possível e o impossível para que o time estivesse sempre bem.
Para mim, a torcida era o 12º jogador ou o integrante mais importante da
partida.” Para alimentar essa dedicação incontrolada, Vanderlan perdeu
festas de família e afastou-se de amigos. Ficou vários dias fora de casa
para acompanhar o time em viagens por todo o País. Não mediu esforços.
Para essas pessoas, a felicidade está
unicamente na admiração desse objeto de idolatria. Será que a única
forma de ser feliz é mesmo viver em função de um ídolo escolhido?
A verdade é que a pessoa busca uma forma
de encontrar significado para a própria vida por meio do fanatismo.
Projeta no time ou no ídolo o desejo por algo que não tem ou não
conquistou. Vive de forma muitas vezes negligente, pois se preocupa
muito mais com o outro do que consigo. Quase como uma fuga da realidade,
essas pessoas buscam satisfação pela conquista alheia, muitas vezes
para amenizar as próprias dores e os sofrimentos do dia a dia.
O fanatismo não está ligado apenas à
religião ou à política. Ele está presente nas relações humanas e pode
acontecer em diversas outras situações. “O torcedor fanático acompanha
todos os passos do seu time, mas se esquece da própria vida. No seu
orçamento mensal, ele é capaz de reservar dinheiro para comprar o
ingresso para os jogos, mesmo que isso vá prejudicar a compra do
alimento para a sua família. Ele não mede esforços em prol do time”,
explica o neuropsicólogo Leonardo Cavalcanti Pinheiro.
“Também é comum entre os adolescentes.
Essa fase da vida é marcada pela necessidade de pertencer a um grupo e
construir a própria identidade social. Por isso, muitos adolescentes
procuram essa identificação em ídolos ou em grupos”, esclarece Pinheiro.
“O jogador passa, o time não. Eu não
olhava para o ser humano, apenas para o Corinthians. Se tivesse que
bater no jogador, eu batia, porque ele está de passagem pelo time. Não
dá para explicar, é espiritual”, contou Vanderlan. Os valores estavam
invertidos. A importância que ele deveria dar à família era dedicada ao
time. O esforço para estudar e ter sucesso profissional também estava
sendo desperdiçado com a torcida. As consequências negativas não
tardaram a chegar.
“Eu tinha muito contato com o lado
espiritual errado. Eu tinha alucinações, enxergava coisas. A minha vida
estava revirada. Eu participava de todas as brigas da torcida. Se
continuasse assim, eu seria preso ou morreria. Tudo estava dando errado.
Então, percebi que precisava ter um entendimento do que estava
acontecendo comigo.” Foi então que Vanderlan se deu conta de que estava
vivendo na direção errada e decidiu procurar ajuda.
Radicalismo
A invasão no Centro de Treinamento
aconteceu dias após a derrota corintiana na partida contra o Santos, em
29 de janeiro deste ano. A goleada de 5 a 1, no estádio da Vila Belmiro,
foi suficiente para esquentar os ânimos da torcida radical.
Mais de cem torcedores pularam os
portões e destruíram o alambrado durante o treino da equipe. Houve
ameaças a jogadores, agressão a funcionários e roubo de celulares. A
invasão foi orquestrada por integrantes das torcidas Gaviões de Fiel,
Pavilhão 9 e Camisa 12. Os policiais entraram em ação e conseguiram
retirar boa parte dos torcedores, mas alguns permaneceram no local para
cobrar maior empenho dos atletas.
Se não tivesse reconhecido os prejuízos
do fanatismo, Vanderlan poderia estar entre os invasores. Mas ele
preferiu buscar auxílio espiritual, em vez de continuar no fundo do
poço, de forma cega e irracional. “A última saída foi Deus. Até então,
eu não enxergava quanto tudo aquilo me fazia mal”, relembra.
Ele compreendeu que os oito anos de
fanatismo não acrescentaram nada à sua vida. E reconheceu que precisava
enxergar muito além do time que escolheu para torcer. “Olhando de fora
tudo o que eu vivi lá dentro, eu tenho vergonha. Eu perdi momentos com a
minha família, perdi tempo para me aprimorar profissionalmente. Hoje,
aproveito ao máximo todos os momentos com as pessoas que gosto.” E o
time?
Vanderlan continua a torcer pelo
Corinthians, mas fora da torcida organizada e sem fanatismo. “O time não
é mais a minha prioridade. Tenho muitas outras na frente dele.”