Os próximos passos que Suécia e Finlândia terão que dar, para entrarem na OTAN


A Finlândia e a Suécia estão prestes a acabar com 200 anos de neutralidade juntando-se à Organização do Tratado do Atântico Norte (Otan), uma evolução dramática na segurança e geopolítica europeias desencadeada pela invasão da Ucrânia pela Rússia.


As duas nações nórdicas há muito tempo mantinham a aliança militar à distância, mesmo enquanto observavam a Rússia à leste com cautela.


Mas o ataque de Moscou à Ucrânia despertou preocupação sobre a segurança em toda a região, e os líderes de ambos os países sinalizaram o desejo de se juntar ao bloco após mais de 75 anos de não alinhamento militar.


O que aconteceu até agora?

Os líderes finlandeses anunciaram a intenção de ingressar na Otan na quinta-feira (12) e apresentaram formalmente esse desejo em uma entrevista coletiva no domingo (15). Nesta segunda-feira (16), o governo da Suécia anunciou que decidiu pedir a adesão ao bloco.


A medida deve ser aprovada por votação no Parlamento de cada país, mas, dado o apoio dos governos no poder, espera-se que esse obstáculo seja superado facilmente.


“Quando olhamos para a Rússia, vemos um tipo muito diferente de Rússia hoje do que vimos há apenas alguns meses”, disse a primeira-ministra finlandesa, Sanna Marin. “Tudo mudou quando a Rússia atacou a Ucrânia. E eu, pessoalmente, acho que não podemos mais confiar que haverá um futuro pacífico ao lado deles”, acrescentou.


A adesão à Otan é “um ato de paz [para] que nunca mais haja guerra na Finlândia no futuro”, destacou Marin.


A primeira-ministra sueca, Magdalena Andersson, por sua vez, explicou que “para nós, sociais-democratas, a política militar de não aliança nos serviu bem. Mas nossa análise mostra que não nos servirá tão bem no futuro. Esta não é uma decisão que tomamos de ânimo leve”.


As falas foram recebidas com o apoio de líderes em quase todas as nações da Otan. O secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, comentou com repórteres que “os EUA apoiariam fortemente a candidatura da Suécia ou da Finlândia, caso optassem por se candidatar formalmente à aliança. Respeitaremos qualquer decisão que tomarem”.


Na última segunda-feira (16), Dinamarca, Islândia e Noruega saudaram a decisão dos dois países em carta conjunta.


O que vem a seguir?

A Otan tem o que chama de “política de portas abertas” para novos membros – qualquer país europeu pode solicitar a adesão, desde que atenda a certos critérios e todos os membros existentes concordem.


A Turquia disse, nesta segunda-feira (16), que votará contra a entrada das duas nações no bloco. Como a votação ainda não aconteceu, haverá um processo até lá.


Um país não se “candidata” tecnicamente para aderir; O Artigo 10 do tratado de fundação da organização afirma que, uma vez que uma nação tenha manifestado interesse, os Eestados-membros existentes “podem, por acordo unânime, convidar qualquer outro Estado europeu em posição de promover os princípios do Tratado a aderir”.


Diplomatas da Otan explicaram à Reuters que a ratificação de novos membros pode levar um ano, já que as legislaturas de todos os 30 membros atuais devem aprovar novos candidatos.


Tanto a Finlândia como a Suécia já cumprem muitos dos requisitos de adesão, que incluem ter um sistema político democrático funcional baseado numa economia de mercado; tratar as populações minoritárias de forma justa, comprometendo-se a resolver conflitos pacificamente; a capacidade e vontade de fazer uma contribuição militar para as operações da Otan; e comprometer-se com as relações e instituições democráticas civis-militares.


O presidente finlandês, Sauli Niinistö, contou à CNN que estava “confuso” com comentários do presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, que os acusou de abrigar “organizações terroristas” curdas e não repercutiu bem a proposta de adesão da Finlândia e Suécia.


Segundo Niinistö, Erdogan foi muito mais receptivo à ideia em uma conversa telefônica entre os dois líderes há um mês. “Acho que precisamos de uma resposta muito clara. Estou preparado para ter uma nova discussão com o presidente Erdogan sobre os problemas que ele levantou”, ponderou o chefe de Estado.


O secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, tentou acalmar as preocupações sobre a posição da Turquia, dizendo no domingo que o país “deixou claro que sua intenção não é bloquear a adesão”. Blinken também afirmou no domingo que estava “muito confiante de que chegaremos a um consenso”.


Enquanto isso, ambos os países terão que confiar em seus atuais aliados e parceiros para garantias de segurança, em vez do Artigo 5 – a cláusula que afirma que um ataque contra uma nação da Otan é um ataque contra todos, desencadesnfo uma resposta coletiva contra a ameaça.


Suécia e Finlândia receberam garantias de apoio dos Estados Unidos e da Alemanha caso sejam atacados, enquanto o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, assinou acordos de segurança mútua com seus colegas finlandeses e suecos na semana passada.


Por que o interesse em aderir à Otan?

A razão pela qual a maioria dos países aderiu à Otan é por causa do Artigo 5 do Tratado do Atlântico Norte, que estipula que todos os signatários consideram um ataque a um ataque contra todos. Ele tem sido a pedra angular da aliança desde que ela foi fundada, em 1949, como um contrapeso à União Soviética.


O objetivo do tratado e do Artigo 5, especificamente, era impedir que os soviéticos atacassem as democracias liberais que careciam de força militar. O Artigo 5 garante que os recursos de toda a aliança – incluindo os militares dos EUA – podem ser usados ​​para proteger qualquer nação-membro, como países menores que estariam indefesos sem seus aliados. A Islândia, por exemplo, não tem exército permanente.


O ex-líder sueco Carl Bildt destacou à CNN que novas bases militares grandes não devem ser construídas em nenhum dos países se eles se juntarem ao bloco. Ele pontua que ingressar na aliança provavelmente significaria mais treinamento e planejamento militar conjunto entre a Finlândia, a Suécia e os 30 membros atuais da Otan.


As forças suecas e finlandesas também podem participar de outras operações da Otan em todo o mundo, como as dos países bálticos, onde várias das bases têm tropas multinacionais.


“Haverá preparação para contingências de quaisquer aventuras que os russos possam estar pensando”, afirmou Bildt, adicionando que “a mudança real será bastante limitada”.


Histórico de neutralidade

Enquanto outros países nórdicos como Noruega, Dinamarca e Islândia são membros originais da aliança, Suécia e Finlândia não aderiram ao pacto por razões históricas e geopolíticas.


Tanto a Finlândia, que declarou independência da Rússia em 1917 após a revolução bolchevique, quanto a Suécia adotaram posições neutras de política externa durante a Guerra Fria, recusando-se a se alinhar com a União Soviética ou os Estados Unidos.


A política de neutralidade da Suécia remonta ao início de 1800, quando o país permaneceu firmemente fora dos conflitos europeus. Seu rei Gustavo XIV adotou formalmente esse status neutro em 1834, de acordo com a Otan.


Assim, a Suécia declarou uma política de “não-beligerância” durante a Segunda Guerra Mundial – permitindo que tropas nazistas passassem por suas terras para a Finlândia, ao mesmo tempo em que aceitava refugiados judeus. Após o fim do conflito, os suecos mantiveram seu status neutro.


A neutralidade da Finlândia tem se mostrado historicamente mais difícil, pois compartilhava uma enorme fronteira com uma superpotência autoritária.

Um tratado fino-soviético, conhecido como Acordo de Amizade, assinado em 1948 e estendido ocasionalmente ao longo das décadas, proibia a Finlândia de aderir a qualquer aliança militar considerada hostil à URSS, ou de permitir um ataque ocidental através do território finlandês.


Para manter a paz, os finlandeses adotaram um processo chamado “Finlandização”, no qual os líderes concordavam com as exigências soviéticas de tempos em tempos. O termo foi cunhado durante a Guerra Fria e foi aplicado a outros países nos quais uma superpotência exerce controle sobre Estados vizinhos menores.


Os atos de equilíbrio de ambos os países efetivamente terminaram com o colapso da União Soviética. A Suécia e a Finlândia juntaram-se à União Europeia (UE) em 1995 e gradualmente alinharam suas políticas de defesa com o Ocidente, enquanto ainda evitavam aderir à Otan.


Razões diferentes para não aderir ao bloco

Para a Finlândia, a geopolítica influenciou na decisão. A ameaça para a Rússia é mais tangível graças à fronteira de quase 1,3 mil quilômetros compartilhada pelos dois países.


“A Finlândia tem sido o país exposto e nós temos sido o país protegido”, analisou o ex-líder sueco Bildt a Christiane Amanpour, da CNN, em entrevista conjunta ao lado do ex-primeiro-ministro finlandês Alexander Stubb.


Embora seja uma nação independente, a geografia da Suécia a coloca no mesmo “ambiente estratégico” de seus vizinhos democráticos liberais, disse Bildt.


Finlândia e Suécia desfrutam de uma parceria próxima há décadas, com Estocolmo entendendo que sua decisão de se abster de ingressar na Otan é uma forma de ajudar a manter a tensão fora de Helsinque. Agora, no entanto, é provável que a Suécia siga o exemplo da Finlândia.


“Compartilhamos a ideia de que uma cooperação estreita beneficiará a ambos”, disse a atual primeira-ministra sueca, Magdalena Andersson, em entrevista coletiva no mês passado, ao lado da primeira-ministra finlandesa, Marin.


Como a invasão da Rússia mudou tudo

A Suécia e a Finlândia vêm avançando para o Ocidente em questões de segurança desde que aderiram à UE em 1995, logo após o fim da Guerra Fria. Mas a invasão da Ucrânia pela Rússia acelerou dramaticamente esse processo, levando os países a decidirem pela adesão à Otan.


Se o Kremlin estivesse disposto a invadir a Ucrânia – um país com 44 milhões de pessoas, PIB de cerca de US$ 516 milhões e forças armadas de 200 mil soldados ativos – o que impediria o presidente da Rússia, Vladimir Putin. de invadir países menores como a Finlândia na Suécia?


“Tudo mudou quando a Rússia invadiu a Ucrânia”, disse Marin em abril. “A mentalidade das pessoas na Finlândia, também na Suécia, mudou e mudou muito dramaticamente”, complementou


Desde o início do conflito em fevereiro, o apoio público à adesão ao bloco militar na Finlândia saltou de cerca de 30% para quase 80% em algumas pesquisas. A maioria dos suecos também aprova a adesão de seu país à aliança, de acordo com pesquisas de opinião.


“Nossa entrada na Otan foi decidida em 24 de fevereiro, às 5 da manhã, quando Putin e a Rússia atacaram a Ucrânia”, disse o ex-líder finlandês Stubb à CNN. “A Finlândia e a Suécia não teriam se juntado sem este ataque”, ponderou.


Autoridades de ambos os países também expressaram frustração, porque, no período que antecedeu a guerra, a Rússia tentou exigir garantias de segurança da Otan de que a aliança parasse de se expandir para o Leste Europeu.


Tal concessão, no entanto, teria efetivamente dado à Rússia o poder de ditar as políticas externas de seus vizinhos, tirando sua capacidade de escolher seus próprios aliados e parceiros.


Segundo afirmou à CNN o ministro da Defesa da Suécia, Peter Hultqvist, a Rússia quer “influência real nas escolhas de segurança na Europa. Eles querem uma influência sobre os países vizinhos. E isso é totalmente inaceitável para a Suécia”.


Como a Rússia reagiu às decisões?

A Rússia criticou ambos os países. O vice-ministro das Relações Exteriores russo, Sergei Ryabkov, disse nesta segunda-feira (16) que a medida seria um “erro” com “consequências abrangentes”, segundo a agência de notícias estatal TASS.


Isso seguiu ameaças semelhantes de altos funcionários de Moscou. O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse que “a expansão da Otan não torna o mundo mais estável e seguro”. Ele acrescentou ainda que a reação da Rússia dependeria “de quão longe e quão perto de nossas fronteiras a infraestrutura militar se moverá”.


A Rússia atualmente compartilha cerca de 1,2 mil quilômetros de fronteira terrestre com cinco membros da Otan, de acordo com a aliança. A adesão da Finlândia significaria que uma nação com a qual a Rússia compartilha uma fronteira de 1,3 mil quilômetros se tornaria formalmente alinhada militarmente com os Estados Unidos.


A adição da Finlândia e da Suécia também beneficiaria a aliança, o que frustraria a Rússia. Ambos são potências militares reais, apesar de suas pequenas populações.


No entanto, Bildt e Stubb, os ex-primeiros-ministros sueco e finlandês, acreditam que, até agora, a resposta da Rússia foi relativamente silenciosa.

“O Kremlin vê a adesão da Finlândia e da Suécia à Otan como uma solução nórdica e, nesse sentido, não uma ameaça radical”, disse Stubb. “Não estamos muito preocupados.”


Stubb e Bildt destacaram acreditar que Moscou vê os dois países como vizinhos confiáveis, apesar de escolherem se juntar a uma aliança apoiada por Washington.


“O fato de Finlândia e Suécia fazerem parte do Ocidente não é uma surpresa”, finalizou Bildt.


Quais são as objeções russas à Otan?

O presidente russo, Vladimir Putin, vê a aliança como uma fortaleza voltada contra a Rússia, apesar de ter passado grande parte dos anos pós-soviéticos concentrando-se em questões como terrorismo e manutenção da paz.


Antes da invasão, o chefe de Estado russo deixou claro sua crença de que a Otan havia se aproximado demais da Rússia e deveria ser despojada de suas fronteiras na década de 1990, antes que alguns países vizinhos da Rússia ou ex-estados soviéticos se juntassem à aliança militar.


O desejo da Ucrânia de ingressar na Otan e seu status como parceiro do bloco – visto como um passo para uma eventual adesão plena – foi uma das inúmeras queixas citadas por Putin na tentativa de justificar a invasão.


A ironia é que a guerra na Ucrânia deu, efetivamente, um novo propósito à Otan.


“O Artigo 5 está de volta ao jogo, e as pessoas entendem que precisamos da Otan por causa de uma potencial ameaça russa”, analisou Stubb em entrevista à CNN antes da invasão.

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