Com Queiroz preso, governo Bolsonaro pode desmoronar ainda em 2020?



Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, foi preso na manhã desta quinta-feira, 18, em um imóvel do advogado Frederick Wasseff, em Atibaia, no interior do estado de São Paulo. Wassef atua como defensor de Flávio e também do presidente Jair Bolsonaro.

No momento da prisão, Queiroz estava dormindo e foi surpreendido pelos policiais que arrombaram a porta. Ele disse que está doente e não pode ser preso. Queiroz está sendo encaminhado para o prédio do DHPP, no centro de São Paulo, onde será formalizado o mandado de prisão expedido pelo Ministério Público do Rio de Janeiro. Queiroz será mandado para o Rio ainda nesta quinta-feira.

A prisão ocorreu em uma operação coordenada a partir de investigações do Ministério Público do Rio com a Polícia Civil. Como mostrou o Radar, os investigadores apreenderam dois aparelhos de celular e muitos documentos que eram guardados por Fabrício Queiroz no imóvel de Atibaia.

O Ministério Público do Rio divulgou uma nota sobre a ação, batizada de Operação Anjo. “Contra outros suspeitos de participação no esquema, o MPRJ obteve na Justiça a decretação de medidas cautelares que incluem busca e apreensão, afastamento da função pública, o comparecimento mensal em Juízo e a proibição de contato com testemunhas. São eles o servidor da Alerj Matheus Azeredo Coutinho; os ex-funcionários da casa legislativa Luiza Paes Souza e Alessandra Esteve Marins; e o advogado Luis Gustavo Botto Maia”, diz o MPRJ.

Amigo do presidente Jair Bolsonaro, o ex-policial militar ganhou notoriedade depois de o órgão de inteligência financeira do governo – o antigo Coaf, rebatizado de UIF – detectar movimentação financeira atípica incompatível com sua remuneração mensal quando trabalhava no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio.

Entre 2014 e 2015, foram 5,8 milhões de reais. Entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017, mais 1,2 milhão de reais. O relatório também registrou que Queiroz depositou 24.000 reais na conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro. A reação inicial do presidente foi admitir que era amigo de Queiroz e dizer que o dinheiro repassado a Michele fazia parte do pagamento de um empréstimo que o próprio Bolsonaro havia concedido ao amigo de longa data. O Ministério Público do Rio de Janeiro investiga o caso.

Queiroz foi assessor de Flávio Bolsonaro até outubro de 2018. O ex-policial é suspeito de cobrar “rachadinha”, termo utilizado quando parte dos salários dos servidores é descontada. 

O cerco fechou para o presidente Jair Bolsonaro. Fabrício Queiroz é a chave para o passado nebuloso da sua família, uma bola de boliche capaz de fazer strike em seu Governo. Atinge desde a primeira-dama Michele Bolsonaro, brindada com um cheque de 24.000 reais de Queiroz, até as ramificações milicianas dos Bolsonaro, que estão na mira das investigações no Rio de Janeiro. De cara, o presidente se desmoralizou por completo quando Queiroz foi descoberto no sítio do advogado Frederick Wassef, de estreita relação da família Bolsonaro. Na posse do ministro Fabio Faria, da Comunicação nesta quarta, lá estava Wassef. Seu trânsito pelo Palácio do Planalto ou Alvorada era constante. Ele, o primeiro a defender o presidente de acusações, escondia Queiroz há um ano. Tudo nas barbas de seus ministros militares, que erguem a bandeira da lei e da ordem do Brasil.

Bolsonaro procurou ocultar seu passado quando assumiu o Governo. Queiroz foi exonerado do gabinete de Flavio no dia 15 de outubro de 2018, a duas semanas do segundo turno da eleição, quando Bolsonaro seria confirmado presidente. Sabe-se hoje, a partir do depoimento do empresário Paulo Marinho, que os Bolsonaro souberam antecipadamente que Queiroz era alvo de escrutínio da Justiça. Um delegado simpatizante do então candidato ultradireita vazou a um emissário de Flavio os rumos das investigações sobre rachadinha na Assembleia Legislativa do Rio.

O ex-PM, amigo do presidente, que acompanhou Flavio por anos como assessor —pagando até a mensalidade escolar das filhas do então deputado, hoje senador— já estava orientado a driblar a Justiça a partir de então. Faltou a vários depoimentos marcados no Ministério Público do Rio de Janeiro para falar sobre as suspeitas de rachadinha. Depois, desapareceu.

Neutralizado o passado, o presidente Bolsonaro acreditou manter o controle total do presente para não resgatar assombrações de rachadinhas e funcionários fantasmas, encarnadas por Queiroz. Com a máquina pública nas mãos, logrou marcar sua narrativa e se descolar de Queiroz. Jactava-se reiteradas vezes que não havia uma denúncia sequer sobre corrupção em seu Governo. Que só se preocupava com a família, e os bons costumes, acreditando piamente na própria invenção que fez de si mesmo. Um homem austero e neoliberal, de gostos simples, chinelo no pé e camiseta de time. A cara do povão.

Mas o excesso de confiança cega. A reunião ministerial de 22 de abril deste ano deixa claro que ele estava interessadíssimo em ter informações privilegiadas sobre o rumo de investigações que pudessem atingir seus filhos. Não contava com a falta de lealdade a seu projeto do agora ex-ministro Sergio Moro.

Apostou então na teoria da perseguição. Gritou e humilhou jornalistas que, segundo ele, só queriam inventar mentiras sobre ele. No dia 22 de maio, quando o vídeo da reunião se tornou público por ordem do Supremo, insinuou que queriam chantageá-lo, deixando escapar que tinha informações paralelas sobre andamentos de ações policiais. “[Havia] Possibilidade de busca e apreensão na casa de filhos meus, onde provas seriam plantadas. Levantei [essa informação] porque graças a Deus tenho amigos na polícia civil e na polícia militar no Rio de Janeiro que [me contaram o que] estava sendo armado para cima de mim”, disse um esbaforido presidente, em Brasília.

O fracasso da sua gestão da pandemia foi lhe tirando apoio popular. Resiste una parcela de 30% de eleitores, que acreditam piamente nesse personagem e até engoliram sua aproximação com o Centrão, renegado desde o início do Governo. Ergueram bandeiras contra o Congresso e o STF em nome de proteger seu presidente. Vale até intervenção militar para afastar os inimigos do presidente. Mas muitos de seus porta-vozes tiveram baixas com o inquérito das fake news no Supremo Tribunal.

Mas o novo Bolsonaro encontrou hoje o velho Bolsonaro. Queiroz volta à baila, um dia após um procurador do Ministério Público do Rio apontar uma série de indícios que apontam que Flavio Bolsonaro lavou dinheiro na compra de 19 imóveis desde 2003. Movimentações atípicas mostram lucros extraordinários nessas operações. O MP vê relação dessas compras de imóveis com o dinheiro da rachadinha. Em outra frente, o MP vê conexões das rachadinhas financiando empreendimentos imobiliários da milícia, com ajuda de uma dobradinha entre Queiroz e Adriano da Nóbrega, que também recebia parte das rachadinhas de Flavio, segundo as investigações.

Nóbrega foi assassinado em fevereiro durante uma operação policial na Bahia. Queiroz também teme o mesmo destino. Nóbrega é vinculado ao esquema que executou Marielle Franco e Anderson Gomes. E Queiroz, a chave oculta para essas relações obscuras da família Bolsonaro. O quebra-cabeça vai ganhando forma, num momento em que o Judiciário está atento a cada passo do presidente e seus aliados. Os militares, por sua vez, devem marcar cada vez mais distância de um presidente radiativo. O desgaste do seu Governo é certo, quando tem pouco capital político para se resguardar. Para alguns, este 18 de junho marca o início do fim do Governo Bolsonaro. É inegável que o presidente está num beco sem saída. Só falta saber quanto tempo o Brasil resiste com ele nessa armadilha.

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